Fernanda Porto ao Vivo (release) Lauro Lisboa Garcia
Quem acompanha a carreira da paulista Fernanda Porto já sabe que sua história musical não começa (e nem se encerra) no drum'n'bass. Considerada musa do gênero que a projetou no exterior, antes daqui - e possibilitou que finalmente ganhasse a notoriedade que batalhou para merecer - a cantora, compositora e multiinstrumentista se distingue pela personalidade que impôs dentro da combinação de diversidade com qualidade. Não apenas por um gênero.
Esclarecida essa questão, é natural identificar nela um dinamismo que resulta sempre em ofertas do inesperado. Seu álbum e DVD de estréia na EMI, "Fernanda Porto ao Vivo", expressa mais uma lufada de renovação. O drum'n'bass que predomina em seu primeiro e homônimo CD, de 2002, é, conforme ela diz, reflexo de uma época. "Gravei tudo sozinha, não conhecia ninguém", lembra. "Foi uma grande verdade naquele momento, mas gosto de abrir para outras coisas." No segundo, "Giramundo" (2004), já mirava outra direção, equilibrando tecnologia e musicalidade orgânica, harmonia e ritmo de sólida brasilidade, em trânsito pelo pop-rock. "O erro foi de quem procurou nele o que já não tinha."
O atual "Fernanda Porto ao Vivo" mostra mais claramente quem ela é. Das 19 canções do DVD (14 no CD), 11 são inéditas, ou de sua autoria, ou de outros que nunca tinha gravado. Isto já é um diferencial em relação à maioria dos DVDs musicais brasileiros, em que os cantores ou grupos limitam-se a fazer uma compilação de sucessos visando ao lucro fácil. Idem para os CDs ao vivo e aos convidados famosos.
Fernanda teve o cuidado de cercar-se de gente não apenas talentosa, mas que sintonizasse com sua música. Que falasse a mesma língua, mas que adicionasse acentos próprios. Daí o convite à pianista Christianne Neves (parceira dela na nova "Seu Nome na Areia") para fazer a direção musical do show realizado no Tom Brasil Nações Unidas, numa noite feliz de abril de 2006. "Conheço Christianne há uns 20 anos e, além da musicalidade, da pegada brasileira que ela tem ao tocar piano, admiro a criatividade e a disciplina dela. Este fator foi muito importante, porque a banda foi contratada 15 dias antes do show e a gente teve um desafio muito grande de organizar isso."
No palco, Fernanda conta com quase 30 músicos, incluindo um naipe de metais e um quarteto de cordas, além do grupo de percussão Batuntã, de São Paulo, que abre e encerra o show, respectivamente em "Baque Virado" e "Giramundo". É um brilho a mais, não apenas pela força dos instrumentos percussivos, mas pelo impacto visual de sua performance. "Foi uma honra tocar com esses músicos todos. Para mim é um sonho", generaliza a cantora.
Graduada na Unicamp e no Clam (Centro Livre de Apredizagem Musical) do Zimbo Trio e protagonista de projetos importantes, como a Orquestra Hearbreakers, Christianne está na banda de Fernanda desde 2004. Agora ampliou a participação na área sem, contudo, impor seu estilo. O resultado não soa como drum'n'bass porque não é eletrônica, mas ele está lá preservado de alguma forma. Nisso tanto uma como outra concordam.
Hits que projetaram Fernanda, como "Só Tinha de Ser com Você" (Tom Jobim/Aloysio de Oliveira), "Tudo de Bom" (Fernanda Porto/Lina de Albuquerque) e "Sambassim" (Fernanda Porto/Alba Carvalho) ganharam roupa nova, mas com o conforto de um sapato amaciado. As canções novas, incluindo três parcerias com Vitor Bellis ("Simples", "Coco sem Água" e "Saudade Que Eu não Tive"), têm seu lugar de destaque pelo pulso firme com que são apresentadas. As releituras de clássicos de Chico Buarque ("Roda Viva") e Caetano Veloso ("Sampa") também pisam em filigranas mais macia que as versões eletrônicas feitas para "Giramundo" e a compilação "São Paulo Fashion Week Vol. 6", respectivamente.
Em mão inversa, "Corações a Mil" (Gilberto Gil) incendeia a pista remixada pelo DJ Zé Pedro, na faixa mais dissonantemente eletrônica do projeto. Edgar Escandurra deixa a marca de sua guitarra em "Pensamento 4", parceria de Fernanda com Arnaldo Antunes, e a rainha da axé music, Daniela Mercury, dá sua pincelada de dendê em "Tudo de Bom" e "Desde Que o Samba é Samba" (Caetano e Gil), que ganha aqui toques sutis de samba-reggae. Com esse convite Fernanda - que também tem um pé na baianidade, como demonstra em "Giramundo" - retribui a gentileza de Daniela, que a apresentou ao carnaval de Salvador em 2005.
De seu lado intérprete, Fernanda também revela desta vez a admiração pelos cariocas do grupo Los Hermanos, gravando uma canção de Marcelo Camelo ("Samba a Dois"), carro-chefe do CD, e outra de Rodrigo Amarante ("Sentimental"). "Eles são originais, não se parecem com nada e suas canções me agradaram muito quando conheci", elogia a cantora.
Mudar de gravadora sempre traz implicações no desempenho dos artistas, para melhor ou para pior. Fernanda, no caso, encontrou espaço para o que pretendia, sem interferência - como, por exemplo, fazer este seu primeiro DVD ao vivo. "Sempre tive liberdade para trabalhar, mas desta vez houve mais diálogo. Há uma responsabilidade mútua. É importante ter isso. Fui recebida na EMI não apenas como uma cantora, mas como uma pessoa que tem uma cabeça musical como um todo." Quem sabe, sabe. |